Fabio Feldmann
Essa semana é impossível não comentar mais uma vez a polêmica do Código Florestal. O deputado Aldo Rebelo apresentou seu relatório que demonstrou claramente a adoção de uma postura retrógrada em relação ao tema, surpreendendo mesmo aqueles que não estão diretamente acompanhando a polêmica.
O jornal Valor Econômico, do dia 17 de junho, afirma textualmente que "o objetivo do novo Código, pela proposta do relator, é claramente diluir as exigências legais de proteção e garantir que o passado seja apagado e os responsáveis por desmatamento ilegal, anistiados". Tal afirmação baseia-se na proposta de Aldo Rebelo de redução das exigências de reserva legal e APPs (áreas de preservação permanente), bem como na proposta de anistia ampla e irrestrita aos desmatadores. Da mesma maneira, a Folha de São Paulo fez um editorial na mesma direção, ao afirmar que o "relatório de Aldo Rebelo alia atraso ruralista a nacionalismo antiquado para desmontar legislação que protege as florestas". Nesse sentido, fica clara a necessidade de uma consciência capaz de compreender que a proteção ambiental representa a garantia para a continuidade das atividades de quem produz no campo.
A Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, em entrevista nesta semana (22/06) no jornal O Estado de São Paulo aponta problemas técnicos e a possibilidade do Código abrir uma guerra ambiental entre estados, uma vez que a proposta do deputado do PCdoB SP pretende transferir aos estados o poder de definir o que é área consolidada do agronegócio, bem como definir qual deve ser a área de proteção às margens dos rios (que, pela proposta, pode ser reduzida a 7,5m).
Algumas manifestações se fizeram a favor do relatório de Aldo Rebelo, como o artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, no dia 21 de junho, que considera o deputado como sendo a "melhor tradição brasileira de defesa da soberania nacional". O editorial do mesmo jornal, do dia 10 de junho, também se mostrou a favor do deputado ao afirmar que "a maior parte das propostas apresentadas pelo deputado Aldo Rebelo, em seu relatório sobre as mudanças no Código Florestal, é obviamente realista e razoável".
Fiz muitas manifestações sobre o Código Florestal neste espaço, a exemplo da coluna do dia 6 de março de 2009, ocasião em que reiterei a importância de proteger o entorno das nascentes de água e matas ciliares, como forma de garantir a perenidade deste recurso para as próprias atividades agropecuárias e impedir o assoreamento dos corpos hídricos, assim como a proteção da vegetação em áreas com alta declividade significa evitar deslizamentos de terra. Também participei da modificação legislativa ocorrida em 1989 com a Lei 7. 803, que alterou a Lei que institui o Código Florestal (Lei nº 4.771/65), no que tange às APP¿s, quando do programa Nossa Natureza, iniciativa do governo Sarney. Também participei da discussão da Lei 8.171, a Lei Agrícola de 1991, que institui a política agrícola. Ou seja, esta discussão não é nova, entretanto, se transformou numa verdadeira guerra entre ruralistas e ambientalistas.
Fui parlamentar durante muitos anos, além de ter me envolvido com as principais ONG¿s que atuam no assunto do Código Florestal. Na minha opinião, o que devemos ter como referência é o planeta e o Brasil: como podemos estabelecer políticas públicas que permitam que o Brasil se aproveite da sua condição privilegiadíssima de portador de grandes ativos ambientais, notadamente no campo da biodiversidade de florestas. E qual deve ser o marco legal que permita ao Brasil assumir esse papel estratégico no mundo do aquecimento global.
Conheço e respeito o deputado Aldo Rebelo e embora tenha grandes divergências com ele em relação ao seu substitutivo, entendo necessária a retomada de uma negociação entre as partes interessadas, com vistas a se definir o que é bom para o Brasil e para o planeta.
Nesse sentido, pessoalmente insisto na necessidade de não aprovarmos matéria tão polêmica nesse período eleitoral, pois como disse Roberto Klabin em audiência pública da Comissão Especial do Código Florestal da Câmara dos Deputados, os ânimos nesse momento se exaltam sem a possibilidade de encontrarmos os denominadores comuns que podem permitir avanços efetivos no tratamento da questão.
A Ministra Izabella Teixeira tem demonstrado capacidade de colocar o Ministério do Meio Ambiente como um facilitador dessa negociação, trazendo atrás de si o governo federal. A sociedade civil, por sua vez, tem maturidade para enfrentar o debate, amparando suas teses em manifestações da comunidade científica, que demonstram a necessidade de se implementar o desmatamento zero no país e se conservar a megabiodiversidade brasileira. Megabiodiversidade esta que é reconhecida como um patrimônio fundamental nesse ano em que haverá a 10ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica em Nagoya, Japão, na qual se discutirá o cumprimento dos acordos feitos entre as nações e a repartição justa dos benefícios oriundos da biodiversidade, além de soluções a fim de evitar novos colapsos ambientais no planeta. Por outro lado, parte expressiva do setor do agronegócio do Brasil tem consciência de que é possível praticar uma agricultura de alto valor econômico com conservação dos recursos naturais. Os pequenos e médios agricultores também têm muito a ganhar se formos capazes de demonstrar que a conservação dos recursos naturais é essencial para manter suas atividades a médio e longo prazo, e que podem ser beneficiados com políticas de crédito e financiamento associadas à idéia de serviços ambientais.
Em outras palavras, creio que temos que estabelecer um "armistício" nesta briga pensando no Brasil. Sem isso, todos perderemos.
Fabio Feldmann é consultor, advogado, administrador de empresas, secretário executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas Globais e de Biodiversidade e fundador da Fundação SOS Mata Atlântica. Foi deputado federal, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Dirige um escritório de consultoria, que trabalha com questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável.
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