Por: Fabrício Ângelo / Mídia e Meio Ambiente
Desde março deste ano a notícia de um novo empreendimento em Peruíbe, no litoral sul de São Paulo, movimentou a população e principalmente os políticos da cidade. Bastava dar uma volta pelas ruas para encontrar pessoas discutindo o assunto e manchetes de jornais que anunciavam: “o Porto Brasil vem aí”. Um outdoor espalhado no município dizia "Porto Brasil e o aniversário de Peruíbe, dois excelentes motivos para você comemorar".
Empreendimento da LLX Logística S.A, do empresário Eike Batista, o Porto Brasil foi proclamado como "o maior da América Latina", com capacidade para receber até 11 navios e 50 milhões de toneladas de materiais por ano.
Segundo a empresa, o desenho do empreendimento seria diferenciado com os navios aportando em uma "ilha" em alto mar, com berços para a atracação. Ilha e berços serão protegidos das correntes marítimas por quebra-mar e conectados ao continente por uma ponte de 3 km, que possibilitará o acesso de caminhões, esteiras transportadoras e dutovias necessárias à transferência de carga.
Além da ilha, também estava prevista a criação do Complexo Industrial Taniguá, na área de retro-porto. Lá, segundo o plano de trabalho da empresa, seriam instaladas indústrias automobilística e eletrônica, centros de distribuição, pátio para contêineres vazios, centros de pesquisa, fabricação de pré-moldados de concreto, metal-mecânica para fabricação de máquinas e equipamentos, processamento de carnes e outros alimentos. O investimento anunciado para a implantação dos projetos foi de 4 bilhões de reais.
Mas no último dia 03 de outubro, a empresa anunciou que decidiu , “seguindo os princípios de linha financeira”, suspender os investimentos no projeto e conseqüentemente sua construção. Segundo Ricardo Antunes Carneiro Neto, diretor Presidente e de Relações com Investidores da LLX, a suspensão do projeto do Porto Brasil reduzirá em cerca de 50% a demanda de investimento total estimada da LLX, a qual passará de US$ 3,9 bilhões para estimados US$ 2,0 bilhões, e diminuirá o fluxo de desembolsos da companhia, em especial no curto prazo. “Preferimos concentrar nossas atividades na construção do Porto do Açu, já em andamento, e no desenvolvimento do Porto Sudeste, projetos com entrada em operação prevista para 2010 e 2011, respectivamente, afirmou”.
O fato foi muito comemorado por ambientalistas que desde a divulgação das intenções do grupo LLX, já se posicionavam contra o empreendimento. Na época a ONG Mongue de Peruíbe lançou uma moção de repúdio onde criticava o secretário de meio ambiente do Estado de São Paulo, Francisco Graziano Neto e o governador José Serra pelo licenciamento do porto. Segundo a nota, Graziano “estaria realizando o maior mutirão já visto em um licenciamento ambiental, mutirão para o licenciamento do Porto Brasil".
Em entrevista a revista ECO , Milton Asmus, professor do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande e especialista em ecologia de ambientes estuários e costeiros, afirmou que os impactos seriam muito significativos. Entre eles estariam a mudança na dinâmica e nas características físico-químicas das águas; aumento da turgidez, o que diminui a capacidade de fotossíntese dos organismos marinhos; mudança nas características do bentos marinho (fundo), o que reflete em toda cadeia de alimentação das comunidades de peixes e aves; contaminação das águas pelo processo de dragagem da areia para obtenção do calado; destinação da areia dragada; desequilibro das áreas de produção pesqueira; mudanças da paisagem e poluição do ar.
O ornitólogo Bruno Lima, que faz o levantamento das aves do litoral sul paulista, salientou que o terreno é considerado a maior extensão de floresta de restinga do litoral sul e morada de animais como o papagaio-de-cara-roxa – que figura na lista vermelha de espécies ameaçadas -, gavião-pombo-pequeno, sabiá pimenta, puma, anta e macaco-prego. "A área é uma IBA [Important Bird Area] e um dos últimos redutos de espécies super ameaçadas. Acreditamos que o papagaio-de-cara-roxa que existe lá, cuja população é de 88 indivíduos, não faça trocas genéticas com indivíduos de outros lugares pela dificuldade em ultrapassar os maciços da Serra do Itatins, por exemplo", explicou à revista.
ONGs ligadas principalmente à Mata Atlântica começaram a se articular para impedir que o projeto fosse adiante. Para a Fundação SOS Mata Atlântica, a região onde se pretendia implantar o empreendimento está na área de grandes e importantes remanescentes de mata, "sendo essencial para a conservação de vegetação nativa e proteção de espécies ameaçadas de extinção".Além disso, afirma a entidade, a obra afeta fortemente ambientes marinhos e costeiros, pescadores artesanais, comunidades indígenas e patrimônios históricos.
Outro fator que preocupava os ambientalistas é a presença indígena na área, cerca de 52 famílias de tupis-guaranis lutam pela demarcação das terras desde 2002. De acordo com Cristiano Hutter, chefe da Funai de Itanhaém/Peruíbe, pessoas ligadas ou contratadas pela empresa de Eike fizeram reuniões com os índios para tentar convencê-los a desistir da terra. Para isso, ofereciam um hotel fazenda em Itanhaém e um salário mensal.
Com tudo isso um grupo de instituições ambientalistas fundaram em 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, o Movimento em Defesa da Sociobiodiversidade da Mata Atlântica (MDSMA), e seu primeiro protesto foi contra a construção do Porto Brasil.Já em julho , o ministério público federal de Santos pediu a suspensão do licenciamento do Porto Brasil enquanto não fosse concluído o processo de demarcação da área indígena de Piaçaguera no município de Peruíbe (litoral sul de São Paulo). No recurso (agravo de instrumento), os procuradores da República em Santos Luiz Antonio Palácio Filho e Luís Eduardo Marrocos de Araújo reiteraram os pedidos da ação civil pública proposta em abril e pediram liminar para que o Estado de São Paulo, por meio da Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), suspendesse o procedimento de licenciamento ambiental do empreendimento.
Após tantas idas e vindas, processos e liminares cassadas parece que os ambientalistas e a Funai conseguiram interromper ou até mesmo impedir a construção de mais um empreendimento sem sustentabilidade.
“Sempre tivemos a sensação de que estávamos participando de um jogo. O empreendedor usando o poder público municipal com a promessa de investir bilhões na cidade. Nunca acreditamos nisto. Depois de um certo tempo prefeito (a), vereadores e empreendedores imobiliários começaram a ver que esta encenação poderia ajudar na retirada dos índios de uma área extremamente valorizada e daí começaram a jogar pesado”, afirma Plínio Melo, secretário executivo da ONG Mongue ,de Peruíbe. Segundo Plínio o que ocorria era que de um lado o investidor lucrava na bolsa e de outro os políticos tentavam ludibriar as pessoas e transformar a propaganda em voto.
“Os impactos sociais e ambientais são absolutamente imprevisíveis. A grandiosidade do projeto traria o caos para a região. Diziam que o porto iria gerar 5 mil empregos. Calculamos que o impacto causado pelo aumento do transito rodoviário e ferroviário, com certeza iria desempregar mais de um milhão de pessoas que vivem do turismo”, disse.
Para ele agora é a hora de implementar projetos sustentáveis para a área do Taniguá. “Se o poder público utilizar 10% da boa vontade que dedicou ao empreendedor, teremos um grande avanço na implementação de projetos sustentáveis com geração de emprego e renda”, concluiu o secretário.
Segundo João Malavolta , da ONG Ecosurfi, a desistência mostra que realmente esse era apenas um projeto que tinha como único objetivo, especulação. “a viabilidade do empreendimento era totalmente fantasiosa. Além do que, eles nunca apresentaram um EIA / Rima que comprovasse legalidade necessária para o inicio dos trabalhos”.
Para Malavolta a demarcação das terras indígenas do Piaçaguera será uma ótima forma de proteger a área. “Agora é o momento de continuar a luta pelo desenvolvimento, mas um desenvolvimento que respeite o meio ambiente em toda a sua dimensão e complexibilidade e venha de encontro com a vocação da região que é de fato o turismo”, falou.
De acordo com coordenadora do Centro de Referência do Movimento da Cidadania pelas Águas Florestas e Montanhas Iguassu – Iterei, Léa Corrêa Pinto, essa foi uma vitória da cidadania em defesa dos direitos e interesses das populações indígenas , na salvaguarda da proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e dos interesses difusos e coletivos visando salvar a mata atlântica, a serra do mar , os ecossistemas costeiros e o povo tupi-guarani.
“Esse fato permitirá privilegiar a viabilidade de uma economia compatível com o investimento do Estado em quase cinco décadas, coerente com os modais econômicos sustentáveis, considerados adequados para áreas de conservação, áreas de preservação e áreas de terras indígenas, conforme o preconizado nos documentos já existentes do próprio estado de São Paulo, assim como do Governo Federal”, afirmou.
Daniel Turi ,presidente do Instituto Ibiosfera, disse que a empresa LLX teve de retroceder, pois foram acionados pelo código de normas da Bolsa de Valores do Estado de São Paulo (Bovespa). “A empresa fez operações irregulares, sob a ótica do investimento e venda de ações, no que envolvia este projeto. Sendo assim, a diretoria paralisou o projeto, mas infelizmente, isto não significa que ainda estamos livres deste pesadelo, chamado Porto Brasil e Complexo Industrial do Taniguá”.
Segundo ele o litoral sul de São Paulo sofre de diversos males socioambientais. Porém, a raiz do problema é o eterno descaso e abandono, por parte do Governo Federal e Estadual com a região. “A região foi foco de um grande processo de ocupação humana desde a década de 70 e atualmente tem uma população fixa que em sua maioria tem grandes problemas com empregabilidade e acesso aos serviços públicos básicos".
A ONG sugere que as soluções ideais para a região são aquelas que levariam ao desenvolvimento sustentável. “Temos propostas de levar oficinas à população local, como por exemplo os fóruns de Agenda 21 e outras reuniões setoriais dentro dos municípios, para a elaboração de planos de desenvolvimento sustentável local”, falou Daniel.
Turi ainda ressaltou que, a vocação natural da região deve ser explorada. Principalmente, o turismo ecológico, turismo de veraneio no mar, pesca, cadeia de serviços com restaurantes, pousadas, artesanato e demais atividades comerciais que atendem à um turismo bem planejado. “Os esforços para a mudança da realidade socioambiental da região não deve ser apenas dos setores público e privado. A sociedade local tem enorme papel neste processo, se desejarmos êxito ao fim destes esforços”, finalizou.
* com informações do site ECO e do blog Ecobservatório.
Um comentário:
ainda bem que isso esteja afundando... tudo o que nos faltava mesmo era um porto terminando de destruir o que já está sendo destruído nas mãos de políticos interesseiros e incompetentes.
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